8.5 Doença hepática crônica

A isoniazida, a rifampicina e a pirazinamida podem ser hepatotóxicas. No manejo da TB em pacientes com doença hepática crônica (DHC), os especialistas recomendam o monitoramento das aminotransferases (ou seja, alanina aminotransferase [ALT] e aspartato aminotransferase [AST]), inicialmente com frequência semanal e depois quinzenal após o segundo mês de tratamento. O tratamento deve ser suspenso de imediato se a concentração de aminotransferase estiver cinco vezes ou mais acima do limite superior da normalidade (com ou sem sintomas) ou três vezes ou mais acima desse limite na presença de sintomas ou de icterícia (ou seja, bilirrubina >3 mg/ dL). É preciso identificar os fármacos responsáveis e fazer uma reintrodução sequencial assim que houver normalização das concentrações das enzimas. Deve-se reintroduzir um fármaco de cada vez, começando por aquele considerado menos hepatotóxico, da seguinte forma:

  • quando a concentração das aminotransferases estiver abaixo do dobro do limite superior da normalidade, pode-se reiniciar a administração de rifampicina com etambutol;
  • após 3 a 7 dias, depois de fazer a dosagem das aminotransferases, pode-se reintroduzir a isoniazida, com repetição subsequente da dosagem das enzimas hepáticas; e
  • se os sintomas reaparecerem ou a concentração das aminotransferases voltar a aumentar, deve-se suspender o último fármaco adicionado e substituí-lo por outro da lista de fármacos recomendados (70).

Se o quadro clínico indicar colestase, a rifampicina pode ser a responsável. Se o paciente apresentar hepatotoxicidade prolongada ou grave, mas tolerar a isoniazida e a rifampicina, a reexposição à pirazinamida pode ser perigosa. Nessa situação, pode-se interromper permanentemente o uso de pirazinamida e prolongar o tratamento até os 9 meses (70). Em pacientes com DHC avançada, deve-se fazer um monitoramento rigoroso dos fatores de coagulação (43, 87–89).

O PNCT deve cogitar a possibilidade de manter um estoque extra de medicamentos para modificar o esquema RHZE no tratamento de situações especiais, como a DHC. Entre os fármacos considerados seguros em pacientes com DHC estão o etambutol e as fluoroquinolonas (70). Em vista de sua importante ação bactericida e esterilizante, sempre que possível, é recomendável incluir a isoniazida ou a rifampicina (ou ambas) (70).

O perfil do paciente em relação à N-acetiltransferase afeta o perfil de risco. A possibilidade de lesão hepática é maior nos acetiladores lentos e, portanto, uma dose de isoniazida de 2,5-5 mg/kg/ dia pode ser adequada para esses pacientes; em contrapartida, em acetiladores rápidos, pode-se aumentar a dose de isoniazida para 7,5 mg/kg/dia.

A classificação de Child-Turcotte-Pugh (CTP) baseia-se nos seguintes parâmetros: albumina, bilirrubina, tempo de protrombina/razão normalizada internacional (TP/RNI), ascite e encefalopatia. A classificação de CTP pode ser usada como preditor de tolerância aos medicamentos contra a TB e do desfecho do tratamento, conforme mostrado na Tabela 8.1 (90).

Tabela 8.1. Parâmetros da classificação de CTP
Tabela8-1
 
Tabela 8.2. Sobrevida em 1 e 2 anos estimada com base na classificação de CTP
Tabela8-2

É provável que as pessoas com TB-S e DHC estável (CTP ≤7) tolerem um esquema terapêutico com rifampicina, isoniazida e etambutol, com exclusão da pirazinamida (o fármaco mais hepatotóxico do esquema de 6 meses). Alguns especialistas sugerem que, nessa situação, a fase de manutenção com isoniazida e rifampicina seja prolongada até 7 meses, depois de uma fase intensiva com os três fármacos durante 2 meses (90).

Em pacientes com DHC mais grave (CTP 8 a 10), é aconselhável usar apenas um fármaco com potencial hepatotóxico, de preferência a rifampicina; entretanto, se a DHC estiver muito avançada (CTP ≥11), é aconselhável não usar nenhum fármaco hepatotóxico (70, 85). Alguns autores aconselham usar, no início do tratamento, um esquema provisório que não cause danos hepáticos, de maneira a reduzir a carga bacilar e os riscos de transmissão enquanto se aguarda a diminuição das transaminases.

Se houver necessidade de criar esquemas para situações especiais, recomenda-se a colaboração de médicos que tenham experiência específica em DHC e o apoio de um comitê de especialistas (p. ex., um conselho de especialistas em TB) (43, 62).

Considerações sobre a implementação

  • Em pessoas com TB-S e DHC, é necessário avaliar o grau de disfunção hepática para definir o melhor esquema possível que seja suficientemente efetivo sem causar danos ao fígado. Em face da gravidade clínica desses pacientes, recomenda-se a colaboração de médicos com experiência específica em DHC e o apoio de um comitê de especialistas (p. ex., um conselho de especialistas em TB).
  • O PNCT deve assegurar um estoque de formulações individuais para o manejo de pacientes com DHC que não tolerem os esquemas padrão recomendados.
  • Os desfechos do tratamento costumam ser menos favoráveis em pacientes com DHC que em pacientes sem DHC.

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