2. Abordagem centrada nas pessoas

Considerando a alta carga de doença, morte e sofrimento associada à tuberculose, a Norma 9 das Normas Internacionais de Atenção à Tuberculose (1) afirma que é preciso se desenvolver uma abordagem de tratamento centrada no paciente para todos os pacientes a fim de promover a adesão, melhorar a qualidade de vida e aliviar o sofrimento. Essa abordagem deve se basear nas necessidades do paciente e no respeito mútuo entre o paciente e o profissional de saúde. Em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) defendeu uma abordagem de cuidado centrada nas pessoas, que está focada e organizada em torno das necessidades e expectativas de saúde das pessoas e comunidades, em vez de se concentrar em pacientes ou doenças (2). Como resultado, o modelo de cuidado centrado nas pessoas para TB foi definido como um conjunto eficiente e integrado de serviços de saúde econômicos, acessíveis e aceitáveis fornecidos em um contexto de apoio para prevenir, diagnosticar e tratar TB (3).

A abordagem centrada nas pessoas (também chamada de centrada na totalidade da pessoa nesta seção) reconhece que a atenção à TB deve ter o objetivo de atender às necessidades, valores e preferências das pessoas com TB e proteger seus direitos a fim de assegurar desfechos bemsucedidos do tratamento e melhorar o bem-estar e a proteção contra riscos financeiros. O cuidado centrado nas pessoas ou na totalidade da pessoa “reflete um cuidado holístico, individualizado, respeitoso e empoderador, que considera a pessoa como um fator central no processo de atenção, incentivando a tomada compartilhada de decisões informadas e a autonomia. Isso significa que a pessoa e o profissional de saúde trabalham juntos, discutindo as opções de cuidados, os riscos e os benefícios do tratamento para tomar decisões colaborativas sobre a atenção. Em vez de ser um receptor passivo de assistência à saúde, a pessoa é um participante ativo” [tradução livre] (4).

Em contraste com a abordagem centrada na doença, na qual o foco era apenas o tratamento medicamentoso, a abordagem centrada nas pessoas também se concentra em ajudar as pessoas a superar as dificuldades sociais, econômicas, culturais, legais e psicológicas que podem afetar sua resposta ao diagnóstico e tratamento da TB. No cuidado centrado na totalidade da pessoa, o paciente com TB é a pessoa mais importante no plano de cuidados; portanto, as necessidades e preferências sociais e pessoais do paciente – e não apenas as exigências imediatas do tratamento clínico – são também discutidas. Essa abordagem também deve permitir que as pessoas conheçam e usem seus direitos de paciente e cumpram suas responsabilidades de tratamento, ao mesmo tempo em que são tratadas com respeito e dignidade e têm seus valores e necessidades refletidos no tratamento e atenção sempre que possível.

O cuidado centrado na totalidade da pessoa é definido como a prestação de cuidados que respeitem e sejam responsivos às preferências, necessidades e valores individuais do paciente, garantindo que os valores do paciente orientem todas as decisões clínicas. O pilar 1 da Estratégia pelo Fim da TB (5) endossa claramente essa abordagem, que trata os pacientes como o elemento mais importante no tratamento da TB.

A abordagem centrada nas pessoas se concentra no bem-estar geral, nas opções, na conveniência e na segurança de cada paciente. Assim, considera as circunstâncias sociais e pessoais da pessoa, não apenas as exigências imediatas do tratamento clínico (6). A abordagem centrada nas pessoas ajuda a construir uma parceria entre as pessoas com TB e os profissionais de saúde, permitindo que o cuidado seja adaptado às necessidades individuais dos pacientes com o objetivo de melhorar a capacidade dos pacientes de tomar todos os seus medicamentos e curá-los da TB. A capacidade de uma pessoa de tomar todos os seus medicamentos é influenciada por vários fatores, como: conhecimento, atitudes e crenças da pessoa sobre a doença, o tratamento e o sistema de saúde; experiências e crenças da família; questões econômicas (por exemplo, a capacidade do paciente de pagar os custos associados ao tratamento); a capacidade do sistema de saúde de apoiar o paciente; e os recursos disponíveis na comunidade para lidar com o estigma e a discriminação relacionados à TB. Essas questões podem ser resolvidas ao se assegurar que os pacientes tenham o apoio necessário para concluir seu tratamento. Os tipos de apoio são descritos mais adiante neste módulo.

A atenção à TB não se refere apenas à ciência do tratamento, mas também aos direitos humanos e à justiça social. Os valores éticos recomendados para os programas de TB incluem equidade; bem comum; solidariedade; reciprocidade; princípio do dano; confiança e transparência; dever de cuidar; efetividade; eficiência; proporcionalidade; participação e envolvimento da comunidade; respeito e dignidade; autonomia; e privacidade e confidencialidade (7).

Em geral, a TB afeta de forma mais intensa as pessoas que já são marginalizadas e pode piorar as desigualdades e a discriminação existentes. As populações de pessoas marginalizadas incluem pessoas em situação de rua, usuárias de drogas, vivendo com HIV/aids, privadas de liberdade, indígenas e migrantes indocumentados. Essas pessoas sofrem estigma e discriminação em seu cotidiano, e é preciso tomar cuidado para garantir que isso não seja agravado no contexto da TB. Além disso, os profissionais de saúde devem ter em mente que o gênero também pode ser um fator de estigma em pessoas com TB (8).

A violação dos direitos humanos das pessoas com TB é bem conhecida (9, 10). As pessoas com TB geralmente sofrem estigma e discriminação em muitas áreas da vida, inclusive no trabalho, nas atividades sociais e na vida familiar. Também podem ter dificuldades em seguir as orientações médicas por motivos sociais, econômicos, culturais e legais. Consequentemente, é importante que os serviços de saúde estejam cientes de todas as barreiras enfrentadas pelas pessoas afetadas pela TB e forneçam apoio social adequado e abrangente para ajudá-las a enfrentar com sucesso as dificuldades excepcionais do tratamento. O estigma da TB pode ser definido como a rotulação negativa ou a rejeição de pessoas com TB e, muitas vezes, também de suas famílias, devido a estereótipos ou outras características negativas associadas à TB e às comunidades afetadas. Como resultado do diagnóstico de TB, as pessoas podem sentir vergonha, raiva de si mesmas, culpa ou responsabilidade, o que pode afetar sua capacidade de aceitar o diagnóstico e de aderir a seus planos de cuidados e tratamento.

Os profissionais de saúde também podem ter preconceito contra as pessoas com TB, o que pode afetar suas interações com pacientes que tenham essa doença. Eles podem agir de um modo que estigmatize ainda mais esses pacientes, seja pela forma como interagem com o paciente, pela linguagem que usam ou mesmo pelas práticas já incorporadas ao sistema de saúde. Se os provedores de serviços de saúde não tiverem muito apoio e os serviços de TB não tiverem recursos, os profissionais podem se sentir desvalorizados, o que pode reforçar o estigma e impedi-los de prestar cuidados com qualidade. O medo da infecção também pode ser um causador de estigma entre os profissionais de saúde e pode ter um impacto adverso em seu relacionamento com as pessoas afetadas pela TB.

Para apoiar as pessoas com TB durante o tratamento, as políticas de saúde devem refletir o fato de que a TB afeta todos os aspectos da vida das pessoas. Cuidar de cada pessoa como um indivíduo deve ser a base do tratamento e da atenção. Os seguintes princípios podem ser seguidos para atenção e suporte centrados na pessoa (11, 12):

  1. Foco nas preocupações e prioridades do paciente.
  2. Observar os cinco aspectos da atenção: avaliar, aconselhar, concordar, auxiliar e providenciar.
  3. Conectar o paciente a um apoiador adequado para o tratamento da TB.
  4. Rastrear, avaliar e tratar a subnutrição.
  5. Reconhecer e abordar pobreza e a insegurança alimentar, vinculando os pacientes com TB às medidas nacionais de proteção social e garantindo sua inclusão na legislação nacional apropriada.
  6. Organizar um seguimento proativo e manter comunicação regular com o paciente para trabalhar em equipe.
  7. Envolver ex-pacientes, educadores de pares e profissionais de saúde que dão apoio em unidades de saúde ou comunidades.
  8. Vincular o paciente a recursos e suporte baseados na comunidade.
  9. Fornecer atenção integrada em colaboração com outros programas de saúde pública, como de HIV, cuidado do diabetes, saúde materno-infantil, pneumologia e serviços de saúde mental.
  10. Assegurar a continuidade da atenção, incluindo cuidados paliativos e de fim de vida, sempre que necessário.

Embora o desenvolvimento de um cuidado centrado na totalidade da pessoa e de alta qualidade para TB, conforme descrito nas Normas Internacionais de Atenção à Tuberculose, frequentemente exija recursos humanos adicionais, muito pode ser alcançado com a capacitação dos profissionais de saúde para que respeitem os direitos dos pacientes e com o desenvolvimento de habilidades de comunicação para envolver ativamente os pacientes e suas famílias na atenção à TB (5, 13, 14).

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