5.2 Modelos de atenção descentralizada, integrada e centrada na família à TB para crianças e adolescentes

Em países com alta carga de TB, a capacidade de manejo da TB em crianças e adolescentes geralmente é centralizada no nível terciário ou secundário de atenção à saúde, em vez de ser descentralizada no nível primário, no qual as crianças e adolescentes com TB ou exposição à TB geralmente buscam atendimento (67, 68). A atenção de maior complexidade do sistema de saúde geralmente é gerenciada de forma vertical e não integrada. Crianças e adolescentes com TB podem deixar de ser detectados devido à perda de oportunidades de investigação de contatos e prevenção, detecção e atenção à TB e como resultado da fraca integração dos serviços de TB para crianças e adolescentes a outros programas e serviços – especialmente serviços de atenção integrada às doenças prevalentes na infância (AIDPI), desnutrição e HIV. Se não forem resolvidos, essas dificuldades de acesso contribuem para atrasos evitáveis no diagnóstico e no tratamento, o que pode levar ao aumento da gravidade da doença, do sofrimento e da mortalidade (69).

Uma etapa importante para melhorar o acesso à prevenção e manejo da TB em crianças e adolescentes é a oferta de atenção integrada descentralizada e centrada na família (67). A atenção integrada e centrada na pessoa e a prevenção são um pilar fundamental da Estratégia pelo Fim da TB da OMS, com o objetivo de assegurar que todas as pessoas com TB tenham acesso a serviços economicamente viáveis e de alta qualidade de acordo com suas necessidades e preferências (5). Isso fica ainda mais evidente no documento Roadmap towards ending TB in children and adolescents da OMS de 2018 (67), que prevê a implementação de estratégias integradas centradas na família e na comunidade.

Esta seção aborda modelos de atenção para aumentar o acesso aos serviços de TB para crianças e adolescentes por meio de cuidados integrados e centrados na família. Os modelos de atenção centrada na família referem-se a intervenções selecionadas com base nas necessidades, valores e preferências da criança ou do adolescente e de sua família ou cuidador. Isso pode incluir educação em saúde, comunicação e apoio material ou psicológico. O termo serviços integrados refere-se a abordagens para fortalecer a colaboração, coordenação, integração e harmonização dos serviços de TB para crianças e adolescentes com outros programas e serviços relacionados à saúde infantil. Isso pode incluir a integração de modelos de atenção para rastreamento, prevenção, diagnóstico e tratamento da TB com outras plataformas de prestação de serviços de saúde materno-infantil (por exemplo, assistência pré-natal, manejo integrado de casos na comunidade, AIDPI) e outros serviços relacionados (por exemplo, HIV, nutrição, imunização). Outros exemplos incluem a avaliação de crianças e adolescentes com comorbidades comuns (por exemplo, meningite, desnutrição, pneumonia, doença pulmonar crônica, diabetes, HIV) para detecção de TB e estratégias de saúde comunitária que integram conscientização, educação, rastreamento, prevenção e busca de casos de TB em crianças e adolescentes nas atividades de capacitação e prestação de serviços.

As recomendações da OMS para modelos de atenção descentralizada, integrada e centrada na família para serviços de TB voltados para crianças e adolescentes (70) são descritas a seguir.

Recommendations:

Comentários:

  • Estas recomendações se aplicam a crianças e adolescentes com sinais e sintomas de TB em termos do impacto na detecção de casos. Também se aplicam a crianças e adolescentes expostos à TB (contatos de TB) e que sejam elegíveis para o tratamento preventivo da TB (TPT) em termos do impacto sobre o fornecimento do TPT. Crianças e adolescentes com sinais e sintomas que precisam de avaliação para detecção de TB doença também podem ter história de exposição à TB (contatos de TB). Crianças e adolescentes que são contatos de TB e não apresentam sinais e sintomas precisam ser avaliados para determinar a elegibilidade para o TPT.
  • A recomendação de serviços descentralizados refere-se ao aprimoramento dos serviços de TB para crianças e adolescentes nos níveis periféricos do sistema de saúde, que estão mais próximos da comunidade, e não à substituição dos serviços especializados pediátricos para TB nos níveis de maior complexidade do sistema de saúde.
  • A descentralização deve ser priorizada em contextos e populações com pouco acesso aos serviços existentes e/ou em áreas com alta prevalência de TB.
  • Abordagens integradas e centradas na família são recomendadas como uma opção adicional aos serviços padrão de TB (por exemplo, juntamente com serviços especializados que podem ter um nível limitado de integração com outros programas ou vinculação com os serviços gerais de saúde).
  • A atenção centrada na família é um princípio transversal da atenção pediátrica em todos os níveis do sistema de saúde.

Essas abordagens de descentralização e atenção integrada centrada na família visam levar os serviços de TB para mais perto do local onde vivem crianças, adolescentes e famílias. Como as recomendações foram publicadas em 2022 (70), ainda estão surgindo evidências sobre as melhores maneiras de implementá-las, de forma que os programas nacionais são incentivados a documentar exemplos de melhores práticas nessa área.

A descentralização inclui a oferta, o acesso ou a capacidade de prestação de serviços de TB para crianças e adolescentes em um nível de complexidade do sistema de saúde mais baixo do que o menor nível em que esses serviços são regularmente oferecidos no momento. Na maioria dos locais, a descentralização se aplica ao nível de hospital distrital (primeiro nível de referência), nível de atenção primária à saúde ou nível comunitário. Intervenções que facilitam a descentralização incluem a capacitação de vários quadros de profissionais de saúde, acesso a serviços de diagnóstico, disponibilidade de medicamentos para TB para crianças e adolescentes e seguimento de crianças e adolescentes com TB ou em TPT.

Como as crianças e os adolescentes doentes normalmente buscam atendimento na atenção primária à saúde, na qual nem sempre há serviços de TB disponíveis, a descentralização e a integração desses serviços usando uma abordagem centrada na família podem melhorar o acesso aos cuidados, especialmente para crianças e adolescentes que não precisam ser encaminhados a uma unidade de maior nível de atenção. Os objetivos da descentralização estão intimamente ligados às aspirações da cobertura universal de saúde (de que todas as pessoas tenham acesso aos serviços de saúde de que necessitam, quando e onde necessitam, sem passar por dificuldades financeiras), que é uma prioridade estratégica para a meta 3.8 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (71).

A descentralização da atenção no nível comunitário tem as seguintes vantagens:

  • aumento da equidade por meio de melhor acesso aos serviços de saúde;
  • oferta de atenção à TB ao mesmo tempo e no mesmo local para todos os membros da família;
  • economia de tempo e dinheiro quando os cuidados são prestados mais perto de casa;
  • continuidade da atenção entre o domicílio da pessoa, a comunidade e o centro de saúde local;
  • maior apoio da comunidade, o que pode aumentar a adesão ao tratamento e pode ser fundamental para superar barreiras para os cuidados de longa duração, como adesão ao tratamento, custos de transporte, absenteísmo escolar e perda de renda durante a doença e as consultas.

Outros possíveis benefícios da descentralização no contexto da TB incluem aumento da cobertura do tratamento em crianças e adolescentes, redução do tempo para diagnóstico e tempo para o início do tratamento, aumento do sucesso do tratamento entre crianças e adolescentes que começaram o tratamento da TB e o TPT e redução da transmissão (72–75).

Com relação à atenção integrada centrada na família, existem muitas oportunidades para a integração dos serviços de TB. No nível dos estabelecimentos de saúde, por exemplo, existem oportunidades para integração dos serviços de TB em ambulatórios; clínicas de nutrição, HIV, saúde materno-infantil (por exemplo, prevenção da transmissão materno-infantil, assistência pré-natal, clínicas de imunização); clínicas de pediatria geral, TB em adultos e pneumologia; e enfermarias. Se houver recursos disponíveis, o PNCT pode cogitar a implementação de rastreamento de TB iniciado por provedores nas portas de entrada relevantes para a saúde infantil e a vinculação ao diagnóstico ou tratamento. Se os recursos forem limitados, as portas de entrada ou os serviços voltados para cuidados de crianças doentes podem ser priorizados.

A política da OMS sobre atividades colaborativas de TB/HIV recomenda a prestação de serviços integrados de TB/HIV, de preferência no mesmo horário e local (76). A política também recomenda que os programas de HIV e os PNCTs colaborem com outros programas para garantir o acesso a serviços integrados e de qualidade garantida, inclusive para crianças e adolescentes. A declaração de qualidade 1.8 do documento Standards for improving the quality of care for children and young adolescents in health facilities recomenda que todas as crianças em risco de contrair a TB ou o HIV sejam corretamente avaliadas e investigadas, além de receber o manejo adequado, de acordo com as recomendações da OMS (77).

Muitos profissionais de saúde da atenção primária em países com alta carga de TB foram capacitados de forma abrangente para avaliar e cuidar de crianças com pneumonia, diarreia e desnutrição usando AIDPI e pacotes de prestação de serviços para manejo integrado de casos na comunidade. Esses pacotes se concentram nas doenças mais comuns da infância, como pneumonia e desnutrição, que têm uma apresentação clínica semelhante à da TB (78, 79). Portanto, oferecem a oportunidade de fortalecer o rastreamento integrado baseado em sintomas de TB em crianças doentes com menos de 5 anos. Especificamente, o livreto da OMS sobre AIDPI de 2014 (79) aborda o encaminhamento de crianças com tosse com mais de 14 dias de duração; a avaliação da TB infecção em crianças com desnutrição aguda; e a avaliação da TB e o TPT em crianças vivendo com HIV/aids (78, 79).

Várias considerações para a implementação de modelos descentralizados e integrados de atenção centrada na família para crianças e adolescentes estão incluídas no Manual Operacional de Tuberculose da OMS. Módulo 5: manejo da tuberculose em crianças e adolescentes (69).

Apoio ao tratamento

A implementação das recomendações relacionadas ao apoio ao tratamento deve permitir a prestação de serviços de TB centrados nas pessoas. Exemplos de intervenções que podem ser oferecidas às pessoas em tratamento da TB para melhorar a adesão incluem apoio material (por exemplo, alimentação, incentivos financeiros, auxílio-transporte), apoio psicológico, mecanismos de rastreamento, como visitas domiciliares ou comunicação de saúde digital (por exemplo, SMS, telefone) e monitoramento de medicamentos (15, 16). As intervenções devem ser selecionadas com base na avaliação das necessidades e preferências do indivíduo, bem como dos recursos disponíveis. É importante envolver as escolas locais, inclusive educando os professores e outros funcionários sobre a TB e fornecendo informações precisas sobre a infectividade, as necessidades das crianças e adolescentes com TB ou coinfecção TB/HIV, a necessidade de consultas frequentes e a importância de tomar os medicamentos regularmente. Isso pode ajudar a reduzir o estigma nas escolas e minimizar o tempo longe dos estudos. Organizações religiosas e outros grupos comunitários também podem se envolver no apoio a crianças e adolescentes com TB e suas famílias.

Impacto socioeconômico da TB em crianças, adolescentes e famílias

A TB geralmente afeta pessoas de nível socioeconômico mais baixo e exacerba a pobreza devido aos altos custos relacionados ao tratamento e à redução da renda familiar. A maioria das crianças com TB desenvolve a doença após o contato com um membro adulto da família com TB pulmonar ativa. Um número elevado de notificações de TB em crianças indica a existência de uma epidemia em curso em adultos (80). A presença da TB na família ameaça a renda familiar e a segurança financeira.

Alguns exemplos do impacto da TB sobre as crianças incluem sair da escola após a morte dos pais por TB ou abandonar a escola para trabalhar a fim de manter a renda familiar (81). A TB na infância ou na adolescência também pode interferir ou atrasar os estudos e prejudicar o crescimento (82). Uma recente revisão de escopo relatou que o tempo gasto cuidando de uma criança com TB teve impactos sobre os gastos, a nutrição e a educação da família e reduziu a renda familiar em geral, tudo isso associado à diminuição do bem-estar da família.8 Além disso, o estigma percebido e efetivado teve implicações práticas no diagnóstico da TB, no comparecimento às consultas e no tratamento, além de outros impactos psicossociais que vão além do estigma, como o rompimento das relações parentais. Uma análise de inquéritos nacionais de custos dos pacientes com TB também relatou interferência nos estudos, insegurança alimentar e falta de proteção social entre crianças e adolescentes com TB.⁹

8 Atkins S et al., não publicado, 2022.
⁹ Nishikiori N et al., não publicado, 2022.

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